Resenha de livro: Sonhos de Alyson Nöel

Pesadelo Literário

Vou iniciar este comentário sobre o livro Sonhos, da escritora americana Alyson Noël , dando um justo desconto, a obra foi escrita obviamente visando as meninas adolescentes e pré adolescentes; eu, por outro lado, sou um homem na faixa dos quarenta anos e, portanto, com um perfil muito distante do público alvo do livro, cuja leitura considerei uma verdadeira sessão de tortura chinesa.
Sonhos, que pretende ser o primeiro de uma série de livros intitulada “The Soul Keepers”, narra as aventuras da jovem Daire Santos, garota de dezesseis anos, filha de Jennika, uma maquiadora que trabalha em produções de cinema ao redor do mundo. Devido ao trabalho de sua mãe, Daire viaja bastante, conhece os novos garotos estrelas de Hollywood e tem eventuais namoricos com eles.
A vida da garota começa a se complicar quando ela é acometida dos primeiros delírios envolvendo corvos, entes fantasmagóricos e pessoas esquartejadas; durante essas visões, Daire entra em transe e apresenta um comportamento descontrolado e violento.
A mãe encaminha a mocinha para tratamento psiquiátrico e a leva para passar uns tempos com a avó Paloma, uma conhecida curandeira, no Novo México, lá ela ficará sabendo que, na verdade, pertence à antiga linhagem de praticantes do xamanismo chamados Buscadores de Almas e que as visões têm relação com o florescimento de seus poderes sobrenaturais.
Em seu desenvolvimento a história de Sonhos usa principalmente elementos de terror, aventura e romance, repetindo a fórmula da famigerada Saga Crepúsculo, tenta, assim, criar um produto semelhante e de resultado igualmente ruim. O principal problema da obra talvez esteja justamente na protagonista, Daire Santos é uma adolescente mal humorada e irritante, sem traços de personalidade bem definidos, um ser humano quase vazio com o qual é praticamente impossível desenvolver empatia ou identificação.
Os outros personagens de destaque também são construídos de forma preguiçosa e apelando pra lugares comuns.A avó xamã , Paloma, é a típica senhora sábia, bondosa e corajosa que irá guiar a mocinha ao longo de sua jornada heróica; o vilão, Leandro, patriarca do clã maligno dos Richter, é retratado como um autêntico gênio do mal de histórias em quadrinhos, é associado às forças das trevas, caricato até a raiz do cabelo, e, claro, pretende dominar o mundo(!)

O antagonista acima citado tem dois filhos que a autora, num arroubo de imaginação criativa, batizou Cade e Dace, Cade é o malvadão e Dace é o bonzinho com o qual a heroína Daire irá viver uma paixão proibida que servirá para a autora introduzir incontáveis cenas forçadas e descaradas de tensão sexual para tentar manter o interesse do público.
Apesar de não ter apreciado o livro em sua quase totalidade, devo admitir que Alyson Nöel demonstra habilidade pelo menos nas eficientes descrições das cenas de tensão, terror e sangue, eu estava quase me empolgando com a leitura quando a heroína, que consegue projetar a alma pra dentro dos corpos de animais, resolve possuir o corpo de uma barata para investigar a casa noturna que seve de quartel general dos vilões da história, a narrativa, nesse ponto, chega a um insuportável nível de ridículo e tudo que deveria ser suspense, drama e horror vira humor involuntário.
O livro termina muito mal, com um mais do que óbvio final feliz e o inevitável gancho para o segundo volume que promete amplificar em tudo o desastre do primeiro tomo.

Título: Sonhos (Fated), primeiro volume da série “The Soul Keepers”.
Autor: Alyson Nöel
Tradução: Marcia Blasques
Páginas: 318
Editora: Leya

 

Histórias Cruzadas (The Help 2011)

 

HISTÓRIAS CRUZADAS

 

Quando Octavia Spencer se dirigiu ao palco da festa do Oscar de 2012 para receber sua estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante, seria apenas a 6ª mulher negra a receber um prêmio da Academia em 84 edições da premiação. Não que seja um feito histórico comparável ao Oscar de Hattie McDaniel em 1939 por “E o Vento Levou”, mas digno de nota, tendo em vista a própria cultura de racismo Americano, bem como por seu papel em um dos filmes mais marcantes dos últimos tempos que abordam a questão racial. The Help – Histórias Cruzadas (2011), filme magnífico, muito bem dirigido e com atuações impressionantes.

O filme foi adaptado da obra literária homônima da escritora Kathryn Stockett. A responsabilidade da adaptação recaiu sobre Tate Taylor, que também dirigiu o filme. É notável o bom roteiro e a direção, tanto que conseguiu fazer com que três atrizes concorresssem à prêmios da Academia pela atuação.

Histórias Cruzadas narra a vida de empregadas domésticas negras numa cidade sulista americana do Estado do Mississipi. Uma jovem repórter, chamada Skeeter Phelan (Emma Stone), em busca de emprego numa revista, dá início a um projeto de um livro onde vai contar o que passam as mulheres negras que trabalham nas casas dos habitantes mais abastados do lugar. Devido ao forte racismo que permeia a sociedade local, as entrevistas ocorrem na surdina, sem que as patroas tomem conhecimento. Inicialmente, apenas duas empregadas, Aibileen Clark (Viola Davis) e Minny Jackson (Octavia Spencer), aceitam, com alguma relutância, divulgar suas histórias. Skeeter começa a perceber as dificuldades que elas passam e sente o peso de fazer parte dessa sociedade opressora. Em pouco tempo várias outras trabalhadoras domésticas topam contar o que sofrem no trabalho, divulgando defeitos de seus patrões. A publicação do livro vai gerar vários conflitos, principalmente de Skeeter com suas amigas, pessoas que, apesar de não terem seus nomes divulgados, sabem que o livro é uma forte crítica ao estilo de vida sulista, bem como as colocam em situações vexatórias. No entanto, o livro vai servir como um tipo de alforria para Minny e Aibileen, principalmente para esta, que passará a enfrentar as injustiças que sofre de sua patroa.

Quando digo que o trabalho de direção de Tate Taylor foi muito bom, se deve ao fato de que as atuações estão impecáveis. Viola Davis e Octavia Spencer dão um show de interpretação. As atrizes contracenam em muitas cenas do filme, e não dá para negar que existe uma interação entre elas capaz de enxergarmos apenas as personagens, esquecendo o trabalho das profissionais. Outra que fez um ótimo trabalho foi Jessica Chastain, no papel da excêntrica jovem patroa de Minny, Celia Foote. Viola Davis concorreu ao Oscar de Melhor Atriz, no entanto disputou com grandes nomes e não dava para tirar o prêmio das mãos de Meryl Streep esse ano. Octavia Spencer e Jessica Chastain concorreram ao Oscar de Atriz Coadjuvante. Octavia foi a vencedora, mas ela também levou no mesmo ano o Critic’s Choice Award, o Globo de Ouro, Screen Actors Guild e o BAFTA, se igualando a outras oito atrizes que conseguiram o mesmo feito, tais como Natalie Portman e Renée Zellweger.

Hoje em dia, a grande maioria dos filmes prezam pela parte técnica, são primores de fotografia e figurino, estonteantes na mixagem de som, e deslumbrantes nos efeitos especiais. Mas transmitir emoção verdadeira, sentida pelo personagem, é outra história. The Help é um desses filmes. Sentir a vergonha que passam as empregadas, se revoltar com a discriminação racial, a condição muitas vezes desumana que são tratadas, são apenas alguns dos sentimentos que afloram quando assistimos ao filme. Em pouco tempo passamos da raiva para o riso, e daí para as lágrimas. Acho muito difícil não se emocionar com a história de Aibileen e Minny.

A temática da discriminação racial americana é recorrente em vários filmes. Não é de hoje que vemos escancarados os defeitos da sociedade dos Estados Unidos. Alguns podem até achar que Histórias Cruzadas é mais do mesmo. Só que ao se enredar na trama, notamos que não é só a crítica ao racismo que nos aproxima da obra cinematográfica, e sim a superação pessoal dos personagens. Uma indentificação com tudo que temos vontade de expressar diante das injustiças, mas que só temos coragem de divulgar sob pseudônimo.

Iêdo Júnior

 

IMDB – ROTTEN TOMATOES