Vermelho como o céu (Itália, 2006)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos à Itália.

 

Carvalho de Mendonça – Podcast ” O Livro da Minha Vida” – Blog Veia Dramática

 

VERMELHO COMO O CÉU (Itália, 2006)

Rosso come il cielo – Drama – 1h36min – Cristiano Bortone

 

A obra em 17 segundos

Doce drama italiano que narra a história real de Mirco (Luca Capriotti), garoto apaixonado por cinema que, após um acidente doméstico, perde a visão e é obrigado a frequentar uma escola especial, onde descobre na imaginação e na criatividade poderosas armas para enfrentar seus novos desafios.

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A obra em 40 segundos

Baseado em uma história real, Vermelho como o céu é um poderoso drama de superação. Bem reconhecido inclusive por profissionais da saúde e da educação, o filme conta a trajetória de Mirco (Luca Capriotti), garoto que perde a visão e é obrigado a estudar em uma escola especial. Apaixonado pelo cinema e munido de uma imaginação esplendorosa, ele decide usar um velho gravador para produzir suas próprias narrativas em áudio. A película conta com uma excelente edição de som, uma fotografia competente e explora ao máximo o carisma das crianças para alcançar o coração do público. Sutil e sensorial, Vermelho como o céu é um longa que dificilmente desagrada algum cinéfilo, apesar de poder incomodar aqueles poucos sentimentais.

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A obra em 2 minutos e 54 segundos

Nada melhor que um drama italiano de época para aquecer um coração cinéfilo. Se envolver crianças, então, as lágrimas são certas. Vermelho como o céu, filme de Cristiano Bortone, lançado em 2006, derrama sobre o público um turbilhão de emoções, capaz de ser absorvido por cada um dos sentidos humanos. Contando a história real do premiado sonoplasta Mirco Mencacci, o longa é respeitado não só pelos amantes da sétima arte, mas também por profissionais da área da saúde e da educação.

Mirco (Luca Capriotti) é um garoto apaixonado por cinema que, após um acidente doméstico, perde a visão e é obrigado a frequentar uma escola especial, tendo em vista que a legislação italiana proíbe que crianças acometidas por deficiência visual estudem em colégios comuns (tal absurdo perdurou até 1975). Sob o comando rígido de um diretor (Norman Mozzato) conservador e intransigente (além de também ser cego), o instituto católico genovês Cassoni, para onde Mirco é enviado, mantém as crianças em regime de internato e as prepara para exercerem profissões no tear e no telemarketing (únicas possíveis para cegos, segundo o autoritário diretor).

A chegada de Mirco inicia uma verdadeira revolução no local, inicialmente impulsionada por sua rebeldia, e, posteriormente, por sua criatividade magnífica. Alheio aos ensinamentos regulares do professor Don Giulio (Paolo Sassanelli) e às regras da casa, ele faz uso de um gravador para produzir suas próprias narrativas ficcionais em áudio, junto com seus amigos Felice (Simone Gulli – que carisma comovente deste menino) e Francesca (Francesca Maturanza – garota assombrosamente parecida com a atriz Glória Pires na infância).

Vermelho como o céu é um filme sensorial, competentíssimo em carregar o público pelas maravilhosas viagens das crianças, utilizando-se do som e suas correspondências. A obra ainda acerta ao adentrar a uma seara política inesperada, com a introdução do personagem Ettore (Marco Cocci), um operário revolucionário cego envolvido na luta antifascismo, que planta a semente da esperança em Mirco, que, por sua vez, influencia todas as outras crianças, bem como o professor Don Giulio, a resistir e a desobedecer.

Apesar de ainda não ter idade suficiente para ser considerado um clássico, o caminho já está pavimentado para isso. É difícil, quase impossível, tirar da cabeça alguns momentos marcantes da obra, como a cena da árvore, como os diálogos de Don Giulio com o diretor e uma funcionária do colégio, como o plano final, e como o auge da película, quando o público é convidado a vendar os olhos e não ter medo. A poesia, o lirismo e a ternura de Vermelho como o céu são, além de uma lição de vida não forçosa, uma bellissima (leia com a entonação de Felice) homenagem ao cinema e seus infinitos sentidos.

 

Ponto forte: Filme poético, sensível e extremamente tocante.

Ponto fraco: O filme não é inovador e se utiliza de algumas fórmulas manjadas de dramas de superação, fato que pode incomodar alguns espectadores.

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Ficha Técnica

Direção de Cristiano Bortone

Roteiro de Cristiano Bortone, Paolo Sassanelli e Monica Zapelli

Elenco principal com Luca Capriotti, Paolo Sassanelli, Patrizia La Fonte, Marco Cocci, Francesca Maturanza, Rosanna Gentili, Simone Colombari, Simone Gulli e Norman Mozzato

Produção de Cristiano Bortone, Ivan Fiorini e Daniele Mazzocca

Fotografia de Vladan Radovic

Edição de Carla Simoncelli

Figurino de Monica Simeone

Trilha sonora de Ezio Bosso

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Dica cultural, diretamente da Itália

A dica cultural de hoje é, sem dúvidas, a melhor coisa que li nos últimos anos: a tetralogia Série Napolitana, de Elena Ferrante (A Amiga Genial, História do novo sobrenome, História de quem foge e de quem fica, História da menina perdida). Elena Ferrante, na verdade, é o pseudônimo de uma autora que mantém sua identidade em sigilo. Apesar de todo o mistério em torno de sua real figura, o sucesso absoluto da escritora em todo o mundo se deve a sua narrativa poderosa e o seu talento assombroso para criar personagens. Após o desaparecimento de sua amiga Lila, Lenu decide contar a história das duas, percorrendo cada detalhe de décadas de uma amizade cercada por violência social. Ambientada em um bairro de trabalhadores de Nápoles, a obra cria um elo indissociável entre o cenário e a trama, transformando os dramas, a política, a infância, a cultura, a luta de classes e a violência em elementos quase essenciais das personagens. Série Napolitana é um relato grandioso sobre a posição da mulher em uma sociedade patriarcal e massacrante.

 

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até à próxima.

Carvalho de Mendonça

Culpa (Dinamarca, 2018)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos à Dinamarca.

Carvalho de Mendonça – Podcast ” O Livro da Minha Vida” – Blog Veia Dramática

CULPA (Dinamarca, 2018)

Den skyldige – Suspense/Thriller – 1h28min – Gustav Möller

A obra em 11 segundos

Com a câmera voltada quase o tempo todo para o rosto de um policial em chamada de emergência, Culpa se utiliza de sons, vozes e roteiro primoroso, para criar um angustiante thriller de locação única.

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A obra em 49 segundos

Faltando apenas alguns minutos para o encerramento de seu turno de trabalho, o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) atende a chamada de uma mulher que está sendo sequestrada. Munido de poucas informações, ele inicia uma solitária investigação, enquanto se angustia em razão de uma audiência judicial agendada para o dia seguinte. Utilizando-se de locação única e de uma câmera voltada em tempo integral para a face do protagonista, o estreante Gustav Möller demonstra toda a sua capacidade de direção e roteiro. Com um argumento audacioso, os ângulos e sons escolhidos, o movimento de câmera e a direção de ator seriam primordiais para a obra funcionar e não cair na armadilha do marasmo. E Culpa consegue, criando um claustrofóbico thriller policial sem sair de sua mesa.

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A obra em 2 minutos e 36 segundos

Asger Holm (Jakob Cedergren) é um policial dinamarquês que, ao atender uma chamada de emergência, se vê envolto por uma misteriosa trama, que desafia não só a sua capacidade profissional, mas também o seu autocontrole emocional. Aos poucos, as atitudes de Asger vão revelando ao público que ele está prestando serviços internos na delegacia em virtude de um acontecimento recente, pelo qual responde na justiça, e sobre o qual, inclusive, terá uma importante audiência no dia seguinte.

Culpa, filme de estreia de Gustav Möller, surpreendeu público e crítica com sua proposta audaciosa, alcançando a considerável honra de ser semifinalista na corrida pela indicação ao Oscar 2019. Apresentando um roteiro coeso e um trabalho de áudio invejável, a obra insere o espectador em um thriller policial, no qual o investigador precisa solucionar o caso tendo acesso apenas a sons e informações desconexas. Neste cenário, Cedergren dá vida a uma figura aflita de olhos angustiados e inquietos, que carrega o filme magistralmente com a câmera por 90 minutos em sua direção.

Muito se fala, atualmente, sobre o desgaste dos gêneros cinematográficos e a necessidade de se criar novas roupagens, que concedam fôlego a velhas fórmulas. Inesperadamente, Culpa surge como um grato rompimento aos padrões de um dos gêneros mais manjados da indústria. O filme se passa em apenas um ambiente, focado inteiramente em um único personagem e suas interações telefônicas, correndo todos os riscos de cair na monotonia, mas se sai muito bem, criando uma atmosfera profunda. Para isso, o diretor emprega técnicas imprescindíveis de movimentação de câmera e pequenas inserções de quebra, como a ligação de uma jornalista, duas trocas de sala, alguns diálogos com colegas de trabalho e o fechar de uma cortina.

O brilhantismo do roteiro de Gustav Möller e Emil Nygaard Albertsen fica ainda mais evidente quando se analisa a evolução do personagem diante das vistas, sem descanso. Asger é apresentado, inicialmente, com a farda impecável, o cabelo bem penteado e até um certo bom humor (demonstrado ao atender a ligação de um homem assaltado por uma prostituta), em que pese manter-se distante e desatento. Porém, com o desenrolar dos acontecimentos, sua aflição contida começa a aflorar em cada movimento corporal e Jakob Cedergren brinda o cinema com uma atuação grandiosa. Do outro lado da tela, o espectador se apavora, pois, além de compartilhar de todas as limitações do protagonista, ainda sofre por não poder agir e tomar providências.

A chamada recebida por Asger é de uma mulher vítima de sequestro, que pede socorro. A partir dela, outros contatos são feitos com o policial, e essas vozes, esses ruídos, essas respirações vão compondo o clima e montando o quebra-cabeça, ao passo que despertam em Asger (e em outros personagens também, por que não?) sentimentos conflitantes e aterradores. Sendo que a culpa é apenas um deles.

Ponto forte: roteiro competente ao trabalhar um argumento extremamente perigoso, que poderia facilmente ter desandado para a monotonia completa.

Ponto fraco: tanto a tradução brasileira do título (Culpa), quanto o original (O Culpado), não refletem com eficiência a temática do filme, haja vista que a sua essência não coaduna com as definições de “culpa”, nem no aspecto emocional, nem no aspecto jurídico. Apesar de presente, na obra não ficou demonstrado ser a “culpa” o sentimento imperioso dos fatos narrados.

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Ficha Técnica

Direção de Gustav Möller

Roteiro de Gustav Möller e Emil Nygaard Albertsen

Elenco principal com Jakob Cedergren, Morten Thunbo, Maria Gersby, Anders Brink Madsen, Katinka Evers-Jahnsen (voz), Jacob Lohmann (voz), Laura Bro (voz), Morten Suurballe (voz), Peter Christoffersen (voz), Jessica Dinnage (voz), Johan Olsen (voz) e Omar Shargawi (voz)

Produção de Lina Flint, Mads-August Grarup Hertz e Henrik Zein

Fotografia de Jasper Spanning

Edição de Carla Luffe Heintzelmann

Design de Produção de Gustav Pontoppidan

Trilha sonora de Carl Coleman e Caspar Hesselager

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Dica cultural, diretamente da Dinamarca

Nossa dica cultural de hoje é o filme A Festa de Babette (Babettes gæstebud), obra com direção de Gabriel Axel, baseada no conto homônimo de Karen Blixen, que conquistou pela primeira vez para a Dinamarca o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1988. Repleto de simbolismos filosóficos, o longa se utiliza da poesia culinária para refletir sobre o pecado, a felicidade e a graça. Babette (Stéphane Audran) é uma francesa que, fugida de seu país, chega a um vilarejo dinamarquês dominado por dogmas religiosos e se oferece para trabalhar na casa de duas senhoras solteiras. Após quatorze anos vivendo sob às privações do puritanismo local, Babette ganha na loteria e tem a oportunidade de escapar daquela realidade, porém, decide ficar e proporcionar um sofisticado banquete para os moradores da vila. Drama profundo e conceituado, A Festa de Babette ocupa um lugar importante na cena europeia de clássicos do cinema e, também, no coração dos entusiastas da gastronomia.

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até à próxima.

Carvalho de Mendonça