Bacurau (Brasil, 2019)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos locais das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos a Pernambuco.

 

Carvalho de Mendonça – Podcast ” O Livro da Minha Vida” – Blog Veia Dramática

 

BACURAU (Brasil, 2019)

Bacurau – Drama/Faroeste – 2h12min – Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

A obra em 10 segundos

Poderosa obra de resistência brasileira, que narra a reação da população do distrito pernambucano de Bacurau a um ataque movido a ódio a minorias, preconceito, colonialismo, racismo e xenofobia.

***

A obra em 41 segundos

Kleber Mendonça Filho apresenta em Bacurau seu trabalho mais verborrágico e poderoso. Atuando agora ao lado de Juliano Dornelles, o diretor de O som ao redor e Aquarius sobe o tom e decide ser nada sutil em sua nova crítica social. Num híbrido esquisito de faroeste, drama e ação, com pitadas de ficção científica e terror, Bacurau narra a reação da população do distrito pernambucano de mesmo nome a um ataque movido a ódio a minorias, preconceito, colonialismo, racismo e xenofobia. O filme foi vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, bem como abocanhou outras estatuetas pelo mundo, porém, assim como Aquarius, foi preterido internamente na indicação a representante brasileiro na corrida do Oscar.

***        

A obra em 3 minutos e 9 segundos

Oeste de Pernambuco. Daqui a alguns anos. Bacurau é um pequeno distrito vinculado ao município de Serra Verde. Bacurau não é um passarinho. É um pássaro, que voa geralmente à noite. Bacurau é um filme, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que narra a reação da população do distrito de mesmo nome a um ataque movido a ódio a minorias, preconceito, colonialismo, racismo e xenofobia. Em seu terceiro longa-metragem (O som ao redor Aquarius são os anteriores), Kleber claramente eleva o tom de sua crítica social e parte pra guerra, com peixeira e tudo, pra mostrar ao mundo que quem nasce em Bacurau (também) é gente.

Os amantes do cinema têm o costume de aplaudir a ousadia criativa de Quentin Tarantino, quando o cineasta americano se propõe a reescrever a História de seu jeito, usando seus filmes para efetivar vinganças que jamais ocorreram, como em Bastardos InglóriosDjango Livre Era uma vez em Hollywood. Em Bacurau, a dupla de criadores vai ainda mais longe que Tarantino na audácia, ao simular uma revolta futura, orquestrada por um povo oprimido, baseada no Brasil de hoje e na perigosa ascensão da extrema-direita no país.

Em um dia qualquer, o distrito de Bacurau desaparece do mapa, o sinal de telefonia cai, o caminhão pipa chega todo furado à bala e uma família inteira é brutalmente assassinada. Sem entender ao certo o que está acontecendo, a população decide se unir e pedir ajuda a um famoso criminoso da região, para enfrentar os ataques que vem sofrendo. Num híbrido esquisito de faroeste, drama e ação, com pitadas de ficção científica e terror, Bacurau é uma grandiosa e necessária obra de resistência, que empodera o oprimido e ridiculariza o discurso opressor.

O que seria impensável anos atrás, hoje parece natural: com certeza você conhece alguém próximo que repete o discurso do asqueroso grupo de estrangeiros do filme. E pior: você provavelmente convive com dezenas de pessoas que pensam como os dois brasileiros que integram a corja. Qualquer ser humano de bom senso sabe como é inglório e corrosivo tentar dialogar com tais elementos. Neste cenário, surge a questão: existe maneira racional de combater uma nefasta força de intolerância e violência? A resposta do filme é: não. A resposta do filme é o contra-ataque. Bacurau é uma metáfora. É uma alegoria. Mas não é uma distopia.

Contando com a presença soberba de Sônia Braga e um elenco entrosadíssimo, com destaque à atuação excêntrica de Silvero Pereira (com aparições estrategicamente dosadas), Bacurau é tecnicamente competente, além de representativo. A fotografia a cargo de Pedro Sotero é um show à parte, ao imprimir uma atmosfera imagética assustadora à aridez do local. O filme foi vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, bem como abocanhou outras estatuetas pelo mundo, porém, assim como Aquarius, foi preterido internamente na indicação a representante brasileiro na corrida do Oscar.

Independentemente do carimbo das instituições, Bacurau foi responsável por uma das experiências cinematográficas mais emocionantes e catárticas que já presenciei, com o público aplaudindo de pé a exibição e gritando palavras de ordem ao fim da película. O fato me fez ter esperança na resistência. O fato me fez acreditar que ainda existem pessoas inconformadas por aí, mesmo que soterradas por fake news ou intoxicadas pela alienante e venenosa flora do jardim das aflições.

Ponto forte: O simbolismo de Bacurau é o ponto forte do filme. Uma obra grandiosa de resistência era necessária para a atualidade cultural brasileira. Enquanto o fascismo aumenta o tom do lado de lá, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles também aumentam do lado de cá.

Ponto fraco: O auge da obra poderia ter sido mais esticado, explorando o seu melhor momento, para que o desfecho fosse ainda mais apoteótico.

***

Ficha Técnica

Direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Roteiro de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Elenco principal com Sônia Braga, Udo Kier, Bárbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Wilson Rabelo, Lia de Itamaracá, Alli Willow, Julia Marie Peterson Jonny Mars, Chris Doubek, Brian Townes, Karine Teles, Antônio Sabóia e Carlos Francisco.

Produção de Emilie Lesclaux, Saïd Ben Saïd e Michel Merket

Fotografia de Pedro Sotero

Edição de Eduardo Serrano

Design de produção de Thales Junqueira

Figurino de Rita Azevedo

Trilha sonora de Mateus Alves e Tomaz Alves Souza

***

Dica cultural, diretamente de Pernambuco

A dica cultural de hoje é a obra prima do pernambucano João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, um dos principais trabalhos em verso da história da literatura brasileira. O poema narra a saga de um sertanejo, que deixa a sua terra natal em busca de uma vida melhor em Recife. Porém, pelo caminho, depara-se com muita miséria e dor. Mesclando narração em verso, diálogos e monólogos, João Cabral cria um retrato imbatível e poético das mazelas sociais do Nordeste, escancarando a fragilidade da vida e a banalização da morte. Publicado em 1955, o livro já fora adaptado diversas vezes, para inúmeras mídias. Em 1965, Chico Buarque musicalizou e Roberto Freire dirigiu a principal encenação em teatro do texto de Cabral. Em 1977, Zelito Viana levou Morte e Vida ao cinema, com um elenco que seria em grande parte reaproveitado no teleteatro da Rede Globo, dirigido por Walter Avancini, lançado em 1981. Afonso Serpa, em 2010, lançou uma animação em 3D interessantíssima, com ilustrações de Miguel Falcão, em preto e branco, e utilização do texto original. Morte e Vida Severina é a minha obra poética favorita. O poder dramático de suas palavras é incomparável e algumas de suas passagens ecoam em meus pensamentos, diariamente, desde o nosso primeiro contato. “E se somos Severinos, iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”.

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até mais.

Carvalho de Mendonça

Masmorra Cast #71 – Especial Zhang Yimou: Parte 2 (continuação) Heróis e Adagas


Feed|Facebook|Twitter|Instagram|Padrim

PARA FAZER DOWNLOAD, CLIQUE AQUI E SELECIONE COM O BOTÃO DIREITO DO MOUSE – SALVAR LINK COMO
NOSSO FEEDhttps://masmorracine.com.br/feed/podcast/ Assine  e conheça todos os nossos podcasts

Continuamos acompanhando a trajetória de Zhang Yimou. O diretor explorou o terreno dos Wuxia, com produções espetaculares como Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004) que trouxeram visibilidade e sucesso internacional para, em seguida, voltar a um cinema mais intimista e de forte carga emocional em Um Longo Caminho (2005).

Participantes: Angélica Hellish / Marcos Noriega / Douglas Fricke, Prof. de História / Exumador do Podtrash e De Sorel.

Colabore conosco nos apadrinhando! Acesse o nosso Padrim.

A casa (Uruguai, 2010)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos ao Uruguai.

 

Carvalho de Mendonça – Podcast ” O Livro da Minha Vida” – Blog Veia Dramática

 

A CASA (Uruguai, 2010)

La casa muda –Terror – 1h26min – Gustavo Hernández

A obra em 9 segundos

Rodado em apenas quatro dias e apresentado como um suposto plano-sequência único, A Casa é um terror uruguaio que retrata o desespero de uma mulher tentando escapar de um sinistro imóvel isolado.

***

A obra em 44 segundos

O terror é um gênero cinematográfico em constante mutação. Os cineastas que se enveredam por tal seara precisam sempre se reinventar para surpreender, criar impacto, desconforto, e para desenvolver mecanismos que despertem o medo do espectador. Algumas estratégias utilizadas há cinquenta anos, por exemplo, não funcionam mais, e muitas obras que eram assustadoras, atualmente são contempladas apenas por seu valor artístico e histórico. Em A Casa, filme uruguaio de 2010 que retrata o desespero de uma mulher tentando escapar de um sinistro imóvel isolado, o diretor Gustavo Hernández brinca com a linguagem do cinema e a usa em seu favor, apresentando um suposto plano-sequência único de quase 80 minutos, onde é permitido olhar, mas não é possível acreditar no que se vê.

***     

A obra em 2 minutos e 32 segundos

Obras ambientadas em casas sinistras, com acontecimentos esquisitos, não são novidades. Histórias assustadoras supostamente baseadas em fatos reais também não são raras. Filmes de terror filmados com câmera na mão, com o intuito de tornar a experiência mais imersiva para o público, já foi uma surpresa, hoje não é mais. O poder surpreendente de A Casa, película de estreia do cineasta uruguaio Gustavo Hernández, está na mistura de todos os elementos citados, temperada por uma competente “brincadeira” com a linguagem cinematográfica.

Laura (Florencia Colucci) se hospeda, juntamente com seu pai, na isolada casa de campo de um amigo, com o intuito de realizar reparos para a futura venda do imóvel. Porém, pouco tempo depois de sua chegada, coisas estranhas começam a acontecer, e ela precisa encontrar uma saída do lugar. Rodado em apenas quatro dias, com um orçamento de aproximadamente seis mil dólares, e apresentada como um suposto plano-sequência único, A Casa retrata o desespero de Laura tentando escapar dos horrores do local.

Cultuado em Cannes, a obra divide opiniões de crítica e público, principalmente pela sua realização completa em um “falso” plano-sequência. Primeiramente, o filme apresenta um suposto terror em tempo real, em que o espectador acompanha a protagonista pelo seu calvário, durante determinado período. Com o desenrolar da trama, entretanto, percebe-se que o tempo da personagem e o tempo de quem assiste não são os mesmos, e que tudo aquilo que é visto na tela pode não ser realmente o que se vê.

Sem efetuar cortes explícitos, o diretor realiza sutilmente a transição de perspectiva, variando entre o olhar de dois personagens distintos e a visão onisciente do público. Na literatura, é sabido que não se pode confiar no narrador em primeira pessoa, da mesma forma que no cinema é comum que o espectador seja traído pela relação deturpada do personagem com a realidade exposta por ele. Em A Casa, não é possível acreditar nem nos próprios olhos, pois, aos poucos, o diretor vai revelando (inclusive pelo uso interessante de fotografias) que está enganando desde o início, e esta “fraude” incomodou profundamente os críticos.

Em que pese a decepção de alguns, a “falcatrua escancarada” de Gustavo Hernández é o que torna A Casa um filme diferente, que subverte a lógica da necessidade de fazer sentido e de se impor limites à criação narrativa. A obra é recheada de clichês, tem criança fantasma, tem boneca, tem pássaro, tem susto desnecessário, tem porta batendo, tem escuridão escondendo segredos, e tudo mais. Todavia, é um trabalho que merece atenção e aplausos, pelo seu experimentalismo e por tentar dar uma aloprada em conceitos tão repetitivos do gênero, contando com um ínfimo investimento financeiro.

Ponto forte: Toda a construção da narrativa por Gustavo Hernández e sua equipe é o ponto alto da película. O jogo de câmera, a manipulação de cenários, a distribuição de pistas, a sintonia entre os planos e os movimentos da atriz, tudo é muito bem orquestrado.

Ponto fraco: Em alguns momentos, o filme se utiliza de artimanhas desnecessárias de luz e som para assustar o espectador.

***  

Ficha Técnica

Direção de Gustavo Hernández

Roteiro de Oscar Estévez, baseado em uma história de Gustavo Hernández e Gustavo Rojo

Elenco principal com Florencia Colucci, Gustavo Alonso, María Salazar e Abel Tripaldi

Produção de Ignacio García Cucucovich e Gustavo Rojo

Fotografia de Pedro Luque

Edição de Gustavo Hernández

Design de produção de Federico Capra

Figurino de Federico Capra, Carolina Duré e Natalia Duré

Trilha sonora de Hernán González

***  

Dica cultural, diretamente do Uruguai

A dica cultural de hoje é a obra de um dos principais pensadores da sociedade latino-americana e suas mazelas: o jornalista, escritor e militante político Eduardo Galeano. Odiado pelos elementos estagnados à Direita, o autor se tornou um símbolo do ideário esquerdista, apesar de, em determinados momentos, ter seu posicionamento questionado pelos próprios entusiastas de seu trabalho. Com uma escrita pungente e combativa, Galeano escancarou para o mundo a História de exploração, violência e opressão em que foi embasada a dinâmica social latino-americana, colocando-se sempre ao lado dos oprimidos e injustiçados. Sua publicação mais famosa, As veias abertas da América Latina, alcançou os status de best-seller e clássico da literatura anticapitalista, ao rediscutir séculos de uma história, antes calcada em versões oficiais contadas por homens, brancos, ricos, militares. Memória de Fogo, Nós dizemos não, O livro dos abraços e O futebol ao sol e à sombra (aliás, Galeano era um aficionado por futebol e um estupendo cronista esportivo) são outras importantes obras de sua prolífica criação, publicadas no Brasil. Eduardo Galeano é um dos grandes nomes das letras uruguaias, tendo as suas ideias influenciado diversos líderes e governantes da Latino-América.

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até mais.

Carvalho de Mendonça

Masmorra Cast #71- Especial Zhang Yimou – Parte 2: Modernidade e Educadores


Feed|Facebook|Twitter|Instagram|Padrim

PARA FAZER DOWNLOAD, CLIQUE AQUI E SELECIONE COM O BOTÃO DIREITO DO MOUSE – SALVAR LINK COMO
NOSSO FEEDhttps://masmorracine.com.br/feed/podcast/ Assine  e conheça todos os nossos podcasts

Zhang Yimou, já então reconhecido como um diretor importante na China, participa com grandes nomes da sétima arte da antologia Lumiére e Companhia (1995) em celebração ao nascimento do cinema. Influenciado pelos sucessos vindos de Hong Kong, retrata uma China moderna e caótica em Keep Cool (1997) e Happy Times (2000), o diretor também  reflete sobre a reforma educacional e sobrevivência nos filmes Nenhum a Menos (1999) e O Caminho Para Casa (1999). Junte-se a nós nessa primeira parte do programa. Semana que vem tem mais! Assine o nosso feed.

Participantes: Angélica Hellish / Marcos Noriega / Douglas Fricke, Prof. de História / Exumador do Podtrash e De Sorel.

Colabore conosco nos apadrinhando! Acesse o nosso Padrim.

Masmorra Cast #70 – Especial Zhang Yimou – Parte 1: A Quinta Geração


Feed|Facebook|Twitter|Instagram|Padrim

PARA FAZER DOWNLOAD, CLIQUE AQUI E SELECIONE COM O BOTÃO DIREITO DO MOUSE – SALVAR LINK COMO
NOSSO FEEDhttps://masmorracine.com.br/feed/podcast/ Assine  e conheça todos os nossos podcasts

Saudações amigos!

Em comemoração aos nossos 10 anos de podcast, o Masmorra Cine traz neste mês de Agosto um podcast especial com a filmografia do diretor chinês Zhang Yimou, considerado um dos mais importantes cineastas do seu país, autor de filmes com apurado senso estético, marcados por um profundo humanismo e que retratam o desesperado esforço das pessoas comuns sob um regime fechado. Serão três programas, no primeiro falaremos de seus longas de início de carreira inseridos no movimento da Quinta Geração do cinema chinês.

Participantes: Angélica Hellish e Marcos Noriega – Convidado: De Sorel do blog De Sorel Magazine.

Mencionado: Masmorra Cast #55 Halloween na Terra dos Vampiros que pulam!

Filmes: O Sorgo Vermelho (1987) / Code Name Cugar (1989) / Amor e Sedução (1990) / Lanternas Vermelhas (1991) / A História de Qiu Ju (1992) / Tempo de Viver (1994) e Operação Xangai (1995)

O Teste Decisivo (Japão, 1999)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos ao Japão.

Carvalho de Mendonça – Podcast ” O Livro da Minha Vida” – Blog Veia Dramática

 

O TESTE DECISIVO (Japão, 1999)

Ôdishon – Drama/Terror – 1h55min – Takashi Miike

 

A obra em 16 segundos

Terror japonês, com forte tendência dramática, que conta a história de Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi), executivo que decide realizar uma falsa audição de cinema, visando, ao invés de encontrar uma atriz, selecionar uma futura esposa. Com os testes, ele acaba se encantando pela bela e misteriosa Asami (Eihi Shiina).

***

A obra em 50 segundos

Takashi Miike é um controverso cineasta japonês, famoso por suas obras bizarras e chocantes. Em O Teste Decisivo, longa de 1999, o diretor apresenta um de seus trabalhos mais sóbrios, apesar de toda esquisitice. O filme conta a história de Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi), executivo que decide realizar uma falsa audição de cinema, visando, ao invés de encontrar uma atriz, selecionar uma futura esposa. Com os testes, ele acaba se encantando pela bela e misteriosa Asami (Eihi Shiina). A trama, até meados do segundo ato, se desenha como um bem construído romance dramático, que vai alimentando a expectativa do espectador pela virada, até a sua total entrega ao desespero. Relativamente recente, O Teste Decisivo já é considerado um clássico do terror oriental, e expõe, com tons de humor negro, uma dolorosa punição a abusos machistas.

***   

A obra em 2 minutos e 42 segundos

Não há como ficar indiferente ao trabalho de Takashi Miike. Dono de um cardápio extenso e de um estilo incômodo, o cineasta é comumente lembrado por explorar bizarrices e perversões em suas obras. Em que pese também conter muito sangue, tortura e membros decepados, O Teste Decisivo, seu filme de 1999, destaca-se por ser uma de suas produções mais “pé no chão”, ainda que este pé esteja separado do resto do corpo. O longa se vende como um terror, razão pela qual os mais radicais poderão se cansar de seu excesso dramático, tom que predomina na trama até a curva final.

Sete anos após a morte de sua esposa, Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi) decide seguir o conselho de seu filho Shigehiko (Tetsu Sawaki) e encontrar uma nova esposa. Quando comenta sobre seus planos com o amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura), este tem a ideia de realizar uma falsa audição, que seria anunciada como processo seletivo de cinema, para que, na realidade, Aoyama pudesse conhecer, analisar e escolher a sua nova companheira. O próprio protagonista acha o projeto abusivo, mas acaba concordando. Não deveria.

Logo na análise curricular, Aoyama já se encanta por Asami (Eihi Shiina), admirado não só pela sua beleza, mas também por sua postura diante da vida, apesar da pouca idade. A história se desenrola, durante a primeira hora, como um bom e bem dirigido “filmão de drama”, que começa a se transmutar quando Yoshikawa, desconfiado de Asami, decide investigar as informações prestadas pela candidata e não encontra absolutamente nada sobre o seu passado. Ao passo que o relacionamento de Aoyama e Asami evolui, a atmosfera de mistério vai tomando conta, até ceder espaço para o total terror de conclusão.

O Ocidente sempre tende a estranhar a relação do homem japonês com o sexo e com a figura feminina. Porém, o comportamento masculino em O Teste Decisivo é universal e palatável para o público de qualquer ambiente. Aoyama e Yoshikawa se portam como adolescentes, criaturas de uma sociedade machista, educados para exercerem superioridade e perpetuarem uma cultura secular de subjugação e exploração da mulher. A subversão de Takashi Miike na obra vem da reação do oprimido, do sinistro contra-ataque da doce Asami.

O Teste Decisivo não é um terror de susto. O filme não é indicado para quem procura “pular da cadeira”. Miike aterroriza o espectador pela morbidez e pela naturalidade com que escancara a personalidade de uma personagem absurdamente cruel. O sangue e a violência extrema surgem para dar sabor, mas não são o prato principal. A estrela da companhia, no fim das contas, é o clima instaurado pelo diretor, que flerta com o noir, e chega a colocar os dois pés no conto de amor romântico. Ainda que estes pés não tenham dedos.

 

Ponto forte: Direção mais sóbria de Takashi Miike, competente ao criar uma atmosfera mórbida por meio de sutis elementos, sem a necessidade de artimanhas desleais com o público.

Ponto fraco: O filme se vende como terror, mas, na maior parte do tempo, apresenta um drama ao público. O espectador que nutre expectativas durante toda a construção, esperando pela hora da virada, pode se decepcionar com a solução.

***   

Ficha Técnica

Direção de Takashi Miike

Roteiro de Daisuke Tengan, baseado na obra de Ryu Murakami

Elenco principal com Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi e Toshie Negishi

Produção de Akemi Suyama e Satoshi Fukushima

Fotografia de Hideo Yamamoto

Edição de Yasushi Shimamura

Design de produção de Tatsuo Ozeki

Figurino de Tomoe Kumagai

Trilha sonora de Kôji Endô

***   

Dica cultural, diretamente do Japão

A dica cultural de hoje é o mangá-documentário Virgem depois dos 30, escrito por Atsuhiko Nakamura e ilustrado por Bargain Sakuraichi, trazido ao Brasil pelas mãos caprichosas da Editora Pipoca & Nanquim, com tradução de Drik Sada. Atuando como gestor em uma casa de amparo a idosos, Atsuhiko Nakamura começou a identificar um padrão de comportamento tóxico em alguns sujeitos e decidiu realizar um estudo mais aprofundado sobre eles. Segundo seus levantamentos, estima-se que no Japão atual exista mais de duas milhões de pessoas acima dos trinta anos que jamais mantiveram relações sexuais, o que equivale a assustadora proporção de um a cada quatro japoneses nessa faixa etária. O autor ouviu diversos relatos e publicou oito dessas histórias, que, posteriormente, foram adaptadas pelos traços sujos e realistas de Sakuraichi. O caso dos virgens de meia-idade é um gravíssimo problema social do Japão, país que ainda não superou o término da prolongada era dos casamentos arranjados e tem uma enorme dificuldade em aceitar a liberdade sexual e profissional da mulher. Virgem depois dos 30 não é um trabalho para menores, nem para maiores sensíveis a determinados temas, em virtude de conter diversos gatilhos emocionais. A obra incomoda em sua estética visceral, que flerta com o caricaturesco, ao passo que escancara uma realidade esquisitamente sombria.

 

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até à próxima.

Carvalho de Mendonça